O Iraqee e as eleicoes Americanas

No mesmo dia em que estréia nos cinemas daqui ‘Torres Gêmeas’, a superprodução de Oliver Stone sobre o ataque terrorista ao World Trade Center em setembro de 2001, um dos nomes mais emblemáticos do Partido Democrata, Joe Lieberman, candidato a vice-presidente de Al Gore nas eleições de 2000, perdeu a legenda do partido para disputar a reeleição ao senado por Connecticut em novembro. Vai concorrer como independente.

Para que se dê a ligação aparentemente nebulosa entre os dois fatos é preciso voltar a 1995, quando Lynn Cheney, mulher do atual vice-presidente Dick Cheney, e o senador Lieberman criaram o supra-partidário American Council of Trustees and Alumni (ACTA), uma organização educacional que só ganhou as páginas da imprensa seis anos depois, ao lançar um documento acusando as universidades norte-americanas de terem se ‘transformado na quinta coluna da guerra contra o terror’. Em seu apêndice, o tal documento citava 117 professores, funcionários e estudantes acadêmicos de todo o país suspeitos de atitudes ‘anti-americanas’.

A aliança Lieberman-Cheney inspirou o surgimento de movimentos neo-conservadores como o Campus Watch, de Daniel Pipes, que passou a publicar uma lista negra denunciando pensadores que se atreviam a criticar a política externa do governo Bush. Uma de suas iniciativas era a seção ‘mantenha-nos informados’. Com um clique, o cidadão poderia contribuir fazendo sua denúncia contra o ‘anti-americanismo’. E muita gente o fez.

A afronta à liberdade de expressão nas universidades americanas foi talvez o mais acintoso ataque de Joe Lieberman ao ideário do Partido Democrata. Seu neo-marcarthismo se revelou também no apoio irrestrito à invasão do Iraque. Foi, aliás, um artigo seu no conservador The Wall Street Journal que fez com que o milionário Ned Lamont, até um então um desconhecido contribuinte das campanhas de Lieberman, decidisse enfrentá-lo nas primárias desta semana. No artigo, o senador escrevia que “o crescente numero de aparelhos celulares no Iraque era a prova incontestável de que a guerra tinha dado os resultados esperados”.

Em boa parte da campanha, Lamont dançou o be-bop de uma nota só: a de que não era possível dar mais seis anos para um senador que apoiava o desastre do Iraque. Mas a vitória do milionário liberal por quatro pontos percentuais não se deveu apenas à constatação interna de que Bagdá é o atoleiro da vez dos republicanos. O deputado Rahm Emanuel, que comanda a máquina dos Democratas nas eleições de novembro, diz que “Connecticut nos ensinou de uma vez por todas o resultado de uma lealdade cega a Bush. A vitória de Ned não foi uma reação ao Iraque. Foi aos que se deixaram levar por Bush, tal qual crianças ingênuas, desde o 11 de setembro”.

O fiasco da política externa de Bush pode ser comprovado a todo momento, em todas as situações. Até mesmo a secretária de Estado, Condoleezza Rice, teria tido um bate-boca homérico com o presidente em seu rancho, no começo desta semana, ao tentar mostrar a Júnior, sem muito sucesso, a necessidade de se dialogar com os árabes. Ah, sim, com todo o quebra-pau no Líbano, Bush está de férias no Texas.

Mas nem tudo está perdido. Uma pesquisa fresquinha revela que, enquanto 80% dos jovens não querem nem ouvir falar em seu nome, Bush ainda tem cerca de 20% da aprovação entre os cidadãos mais novos do país. Este deve ser o contingente que Hollywood conta para alavancar as bilheterias de ‘Torres Gémeas’. Novo herói da direita do pais, que o via como a um anti-Cristo, Oliver Stone apresenta seu ’11 de Setembro’ como uma ode à bravura dos americanos. E busca dar sentido – ético, religioso, estético – à barbárie que norteou tanto o ataque infame quanto a reação absurda. Mais fora de hora, como mostra o desastre de Lieberman, impossível.

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